terça-feira, 6 de abril de 2010

Qualquer coisa que se sinta.

Foi em uma tarde qualquer, de um verão qualquer, em uma praça qualquer, que os dois se conheceram.
Ela lia ''O Pequeno Príncipe''; ele passeava com seu cão.
Foi inevitável não olhar para o lado. Sorrisos tímidos no lugar de um ''oi''.
Ele tomou a liberdade de se aproximar. Ela achou estranho. Mas quando notaram, já conversavam como amigos.
-Me passa seu endereço... Pra eu poder te mandar cartas... As vezes - pediu, tímido e encantado.
-Claro! - rasgou um pedacinho de um folha de seu livro. Aquele cantinho em branco na última página não lhe faria falta. Pegou a caneta na bolsa e anotou o endereço.
Depois de mais algum tempo de conversa, íntima e descontraída, ele não aguentou. Era como se uma espécie de ''mola'' tivesse o impulsionado para frente. Os lábios se tocaram, e abruptamente, ela saiu correndo, sem olhar para que direção estava indo.
Não sabia ao certo porque, mas aquele momento havia sido incômodo. Por mais encantada que estivesse, seu desejo não era beijá-lo.
Sua cabeça girava. E seus pensamentos estavam totalmente embaralhados.
Ele continuou sentado no banco da praça. Ficou desiludido e sem reação.
Mas, uma semana depois, chegou na casa dela uma carta. Na mesma hora, já sabia de quem era.
Abriu rapidamente e leu. Era uma poesia. Provavelmente tirada de algum livro.
E durante um ano, sua sexta-feira foi a mesma: logo que chegava da escola, verificava a caixa de correio. Algumas cartas traziam no final um ''PS: Responda!''. Mas ela nunca respondeu nenhuma.
Um ano depois, em outra tarde qualquer, mas desta vez, de um outono qualquer, na mesma praça, os dois se reencontraram.
Ela lia ''Capitães da Areia''; ele fotografava as pessoas alheias, os pássaros, e todos os belos momentos de se retratar em plena praça pública.
Se reconheceram. Ele correu ao seu encontro. Ela fingiu não perceber.
Mas sentados lado a lado, seria a maior falta de educação não cumprimentá-lo. Porém, nem precisou ter esse trabalho.
- Tem recebido minhas cartas? - perguntou enquanto olhava as fotos.
- Sim - respondeu com a cara enfiada no livro.
- E por que nunca respondeu nenhuma?
- Eu... Não sei - estava confusa.
- Você não acha que é muita coincidência nos encontrarmos aqui?
- Sim.
- Você não era monosilábica assim há um ano atrás. Mas isso não importa... Leu todas as cartas?
- Quase todas - estava vermelha de vergonha.
- E o que você costuma fazer com as que você lê?
- Algumas eu guardo... Outras eu jogo fora - preferiu ser sincera.
- Pois então faça o mesmo com as não lidas. Para mim, tanto faz. Queime, jogue fora, ou guarde se preferir.
Exatamente como no ano anterior, ela saiu correndo desvairada. E mais uma vez, sem saber porque.
Chegou em casa. Apanhou o ''bolo'' que se formou debaixo da cama com as cartas não lidas. Também não sabia o motivo pelo qual não havia aberto aquelas.
Pegou seu baú de coisas antigas. Achou seu livro preferido, aquele que lia na tarde qualquer, de um verão qualquer, mais marcante de sua vida. Olhou a última página. Viu o pedacinho rasgado no canto. Sentiu falta dele.
Colocou o livro de volta no baú. Depositou também as cartas. Mas decidiu ler só a última, que ele enviou na semana anterior.
Era a mais bela de todas. Provavelmente escrita por ele, pois tinha dois ou três erros de ortografia. Mas eram insignificantes; pela primeira vez, ela se emocionou ao ler uma carta. E com certeza, essa seria a última enviada por ele.
No final: ''PS: Eu te amo. De verdade''.
Fechou a carta e guardou no baú, que foi trancado.
Sua vontade no momento era chorar. Mas fez o contrário. Estava rindo feito boba, lembrando dos bons momentos; sentindo saudade até mesmo daquilo que não viveu.
E, no dia seguinte, abriu o baú, pegou ''O Pequeno Príncipe'' e foi até a praça. Sentou-se no banco e releu todo o livro em algumas horas.
Depois pensou nas cartas que ainda tinha pra ler. Estava curiosa. Mas ia se conter, pois isso, só daqui um ano, quando estiver mais madura e não tão confusa; provavelmente em uma tarde qualquer, de um inverno qualquer.

2 comentários:

  1. "Pegou seu baú de coisas antigas. Achou seu livro preferido, aquele que lia na tarde qualquer, de um verão qualquer, mais marcante de sua vida. Olhou a última página. Viu o pedacinho rasgado no canto. Sentiu falta dele."

    Ah, minha Alice, você me surpreende *-*

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  2. que liiindo amei esse textro sériio *---------*

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