quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Seres que Somos.

Somos seres
feitos de sonhos.

Sonhos são quase como somos:
seres.

Raro é o ato

de orar.

Rever a vida
é notar que estamos sós.

Seres:
Somos quase como sonhos.

Sonhos feitos
de seres que somos.



(Eu e minha estranha mania de olhar as palavras de trás pra frente...)

sábado, 16 de outubro de 2010

Som do silêncio.

A chuva parou. Não ouço os carros passando na rua, ou as folhas das árvores sendo levadas pelo vento... Ouço, muito menos, os cacos daquele vidro que fora uma garrafa de conhaque, estilhaçando na beira da calçada ao cair da mão de um cidadão qualquer com o qual eu pouco me importo – só não quero cacos de vidro em frente à minha casa, por favor.
Não há nada nesta noite que me faça lembrar de quem eu sou, ou onde estou.
Não há sonoridade alguma no resto desse dia tão irrelevante.
Ouço, apenas, minha respiração e as batidas do meu coração aflito.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

"Jailton e seu coração apaixonado''

(terceiro capítulo de "Jailton, às suas ordens!")
De longe vinha vindo senhora Matilde, que trazia em suas mãos um baralho e alguma coisa gostosa embrulhada em papel-toalha. Andava um pouco lenta, por causa da idade.
Eu já fui preparando a cadeira acolchoada, forrada com couro surrado, pra ela se sentar, o meu banquinho bambo de madeira e a mesa pro nosso jogo de cartas e nosso lanchinho.

- Boa tarde, Jailton, meu filho – sim, ela praticamente me adotou!
- Boa tarde, senhora Matilde!
- Senhora nada, me chama só de Matilde... hehehe.
- Ah, sim! Pode se sentar, Matilde!
- Hoje trouxe pães de queijo, não deu tempo de fazer o bolo de chocolate, eu trago amanhã pra você!
- Mas não se preocupe, sen... Matilde! Não se preocupe com isso.
- Pra mim é um prazer saber que tem alguém pra dividir comigo o bolo de chocolate, meu filho, acredite! A propósito... vou te fazer uma pergunta e quero que você seja bem sincero, tudo bem?
- Claro.
- Eu ando incomodando a você com essas minhas freqüentes visitas?
- Pelo contrário, sen... Matilde!
- Tem certeza? Porque o que eu menos quero é prejudicar o seu trabalho, meu filho...
- Sim, eu tenho certeza! Acho que nos encontrarmos, é bom pra nós dois... pois não ficamos sozinhos.
- Ah, então tudo bem, já que você diz... hehehe. Hoje vamos jogar o que? Buraco?
- Às suas ordens! Buraco!
- Hehehe... Pode ir pegando uns pães de queijo, coma a vontade!
- Oh, muito obrigado! – E os pães de queijo estavam bons, realmente... senhora Matilde, digo, Matilde, me surpreende cada dia mais com seus novos “quitutes”.

- Hehehe, ganhei!
- Assim não vale, Matilde – estranho chama-la assim... –, a senhora roubou!
- Não roubei nada! Isso são apenas muitos anos de prática, hehehe... Ai ai... eu e Genaro jogávamos cartas todas as noites, tomando chá... nos divertíamos a valer... Eu já contei a você de Genaro, meu falecido marido? – Tinha um ar de melancolia na voz.
- Não, nunca me contou.
- Então agora vou te contar... É, acho que eu nunca falei disso com mais ninguém, a não ser meus filhos. Lúcia, a mais velha, agora mora no Canadá, tem dois filhos e acho que nem se lembra mais da sua velha mãe... hehe... Marco Antônio foi morar lá no Rio de Janeiro, e de vez em nunca me liga! Hehe... – entre uma coisa e outra, Matilde sempre soltava uma de suas risadas cativantes, a procura de mostrar que não estava nem um pouco triste... mas, eu sei que estava. – Então, como eu ia dizendo... Ah! Eu e Genaro nos divertíamos muito, sabe filho. Foram trinta e nove anos juntos... morreu moço, coitado. Jogávamos xadrez, damas, cartas... Bolo de cenoura com calda de chocolate era o preferido dele e de Marquinhos, eu fazia toda semana. Já eu e Lucinha, sempre preferimos o de laranja... Eu me lembro como se fosse ontem... Marco e Lúcia no tapete da sala, brincando, eu e Genaro jogando e tomando chá, o de limão era nosso preferido. Foram tempos felizes, ah, como foram! Só eu sei... mas, dizem que tudo que é bom dura pouco, e é verdade mesmo. Você cuida da sua família com todo o carinho que há no mundo, e depois acaba velha, sozinha e com diversos problemas de coluna, como eu... Hehehe... – acho que o que eu via brilhar no canto dos olhos de Matilde, era uma lágrima; mas ela não a deixou escapar.
- Ah, Matilde... eu nunca fui casado, mas imagino que deve ser muito bom sim... – o que mais eu poderia dizer depois de tudo aquilo que ela me contou? Ai, meu Pai...
- Hehehehe... Mas você vai encontrar sim o seu amor, filho, eu sei que vai! Ainda mais sendo um homem bom, trabalhador e educado como você.
- Oh, senhora, digo, Matilde, fico muito grato pelos seus elogios!
- Imagine, filho, é tudo verdade mesmo... hehehehe...

Depois de longas horas de conversas; melancolia; lágrimas quase escapando pelo canto dos olhos de Matilde; eu abrindo o portão; Matilde contando-me do falecido marido; eu abrindo o portão; Matilde dizendo-me que queria, agora, comprar um gato pra lhe fazer companhia; eu abrindo o portão e dizendo “onde já se viu? Como é que a senhora vai cuidar do bichano?”; ela dizendo que se virava; eu dizendo que era melhor não; ela dizendo que se não era eu que ia cuidar do gato, que não me preocupasse; e eu concordando, mesmo que meu pensamento fosse de total discórdia; ela falando que seria fêmea e se chamaria Pompom; eu pensando em dona Madalena...

- Bom, filho, são oito horas e eu já vou indo, seu expediente encerra daqui meia hora... Nossa, o tempo passou velozmente não é mesmo?
- Como quiser, Matilde. Sim, passou ligeiro sim.
- Amanhã te trago o bolo de cenoura com calda de chocolate... Ah, não, o seu preferido é de chocolate com granulado, já ia me esquecendo, veja se pode uma coisa dessas... Estou ficando caduca, não se assuste filho, hehehehe...
- Não se preocupe comigo, eu gosto de todos os bolos, e a senhora vai faze-lo apenas se quiser – sorri para conforta-la.
- Ah, imagine, amanhã trarei seu bolo de chocolate com granulado, hehehehe. Tenha uma boa noite e cuidado ao voltar para casa, viu? Até amanhã!
- Obrigado, Matilde, até amanhã!

Arrastei a mesa e o banquinho bambo de madeira aos seus devidos lugares e me sentei, na cadeira acolchoada e revestida com couro surrado, de frente pra janela.
Fiquei pensando na vida dessa senhora que me cativa cada dia mais...
Ela praticamente me adotou como filho, né? Ah, mas tudo bem, eu não me importo, pelo contrário! Deve ser difícil ter filhos – de verdade – que praticamente esquecem de que você existe, sendo que você passou anos e anos cuidando deles com toda a sua paciência.
Acho que... acho não, tenho certeza!... depois que começamos a nos encontrar aqui todas as tardes, ela se tornou uma senhora muito mais feliz!
Eu gosto de vir pro trabalho pensando que posso fazer a alegria de uma velhinha bonitinha como a senhora Matilde todos os dias. (É, não adianta, eu tenho mesmo que fazer força pra chama-la apenas de “Matilde”).

E a dona Madalena, por onde andará?
Por que será que ela ainda não chegou?
Será que o ônibus atrasou? Será que aconteceu alguma coisa? Ai, não pensa na desgraça, Jailton, não pensa na desgraça.
Tá tudo bem com a dona Madalena, daqui a pouco ela ta chegando aí, tenho certeza...
Mas daqui vinte minutos eu to saindo, e não posso ficar sem vê-la hoje, poxa vida.
Ai, deixa eu comer aqui os dois últimos pães de queijo que me restam.

Opa, conheço essa voz que vem de longe... É... é a... é a dona Madalena, claro!
Vou sair já pra ver o que é que está acontecendo.

Quando saí, a vi fugindo de dois homens grandalhões e fortes, eu era um nanico perto deles, mas os encarei e fui subindo a rua de encontro com a encrenca.

- O que tá acontecendo aqui? – Eu indaguei, de cabeça erguida.
- Quem tu tá pensando que é, “rapá”?
- Jailton, socorro, esses caras estão me persegui... – antes que dona Madalena pudesse concluir sua frase, o mais forte tampou sua boca com a mão suada e calejada.
Fui pra cima do que acabara de me chamar de “rapá” e dei-lhe um belo soco, que pegou em cheio o nariz batatudo.
Enquanto sofria com o nariz ainda mais inchado, exclamou pro outro:
- Vai, imbecil, faz alguma coisa!
Nisso, o “imbecil” soltou dona Madalena, a quem mandei que corresse até o portão do prédio, para fugir dos grandalhões.
Meti um soco no olho do outro sujeito. Aqueles dois só tinham tamanho mesmo... era um mais idiota que o outro.
Enquanto sofriam com os socos que haviam levado na cara, meti um chute no “ponto fraco” de cada um e corri para abrir o portão com as minhas chaves, e refugiar, então, dona Madalena em meus braços, oh!

- Está tudo bem com a senhorita, dona Madalena?
- Ah, Jailton, eu acho que ainda nem compreendi muito bem o que acabou de acontecer...
- Pois é, foi sorte eu estar aqui de bobeira e escutar a sua voz. D’onde surgiram aqueles dois?
- Estava quase chegando, e os dois me abordaram ali na esquina. Eu acelerei o passo, até que eles começaram a correr atrás de mim e... ah, eu nem sei como te agradecer, Jailton!
- Não precisa me agradecer, dona Madalena, era o mínimo que eu poderia fazer a uma dama em perigo, haha – confesso, sim, que estava um pouco convencido.
- Você foi tão corajoso e cavalheiro!

Agora sim, a tão esperada hora do grande beijo, em que as respirações se encontram, o coração acelera, os rostos se ajeitam de modo que possam se encaixar perfeitamente, as mãos e a testa ficam suadas, eu me aproximo, ela se aproxima, o coração bate cada vez mais forte, aquele arrepio na espinha, as mãos se ajeitam na nuca um do outro, os olhos se fecham, todos os sons parecem ficar distantes, tudo em volta gira, eu acho que vou desmaiar, será que ela se sente assim também?, acho que vou cair duro no chão, não!, estou quase lá, meus lábios quase juntos dos dela, os dela quase juntos dos meus, e... Ela vira o rosto. Simplesmente não acredito que ela vira o rosto. Como pôde?
Agora vem a hora do silêncio constrangedor.
É impressionante, todo beijo parece o primeiro beijo, mesmo que seja o “quadragésimo sei lá quanto” beijo.
É realmente impressionante, me sinto um completo moleque de doze anos.
Ai, estou confuso, será que devo falar algo? Ou será que agora ela vai embora e não me olha na cara nunca mais?

- Ja-ja-jailton, eu vou indo embora... estou tão cansada... preciso tomar um banho e...
- Quer que eu te acompanhe até o elevador?
- Mas você vai deixar a portaria sem ninguém?
- Já acabou o meu turno, são oito e quarenta e cinco, acabou há quinze minutos, o José já deve ter chegado...
- Do mesmo jeito, não precisa, você já fez demais por mim, de verdade.
- Jailton, às suas ordens, haha – será que o meu sorriso amarelo enganou? Ou será que ela percebeu o quanto eu estava constrangido?
- Obrigada, novamente, mesmo que você não queira meus agradecimentos. Tchau.
- Tchau.

Fiquei assim, parado, abobado, abismado, cabisbaixo, assustado, aguniado... Tantas coisas de uma vez...
E aquele “quase beijo” fracassado?
Sei lá, juro que não sei de nada.
Só sei, que dona Madalena me deixou completamente apaixonado.


(Continua...)

domingo, 3 de outubro de 2010

Imagens.




Pois é...

Foi assim, simplesmente. De um ''nada'' surgiu um ''tudo''. Caiu sobre Clarice essa enxurrada de possibilidades, que trouxeram consigo uma enxurrada de sentimentos.
É. Agora é hora de decidir, adiar só vai piorar as coisas.


Tá, muita calma nessa hora, deixa eu explicar tudo primeiro...

...
- Oh, minha Clarice, pertença a mim para sempre, não me deixe nunca. Seja minha eternamente e transforme todas as minhas manhãs em poemas reluzentes de amor.
- Ha, relaxa, eu to aqui. Eu te amo demais, não vou te deixar nunca.
- Tem certeza?
- Aham.
- Então, venha, me dê um beijo.

André e Clarice formavam um casal engraçado, mas combinavam. Ok, tudo bem, talvez nem tanto. Mas eles sempre foram felizes. Em um ano de namoro, mal tiveram brigas. Realmente, se amavam. Principalmente ele a ela.
Sim, ele a amava muito, de fato. Não haviam barreiras que não pudesse ultrapassar se fosse para ver um sorriso se abrir no rosto rosado de Clarice.
As coisas mais improváveis sempre foram marcantes nesse longo tempo em que os dois estiveram juntos.
Um exemplo? Haha, fácil. O metrô. Sempre viveram coisas engraçadas no metrô. Como quando as luzes se apagaram, o metrô parou e de repente e ouviu-se um aviso que assim dizia: ''paramos por causa de usuário na pista''.
-Usuário na pista? Como assim? HAHAHAHA.
-Ai credo, não ria André, não é engraçado.
-...
-Ta bom, é sim! HAHAHAHA.

A verdade, é que eles se divertiam demais, e nem viam o tempo passar. Às vezes até esqueciam de ser românticos um com o outro, como geralmente são os casais. Digo, os casais comuns, normais.

Singular: essa é a palavra que descreve perfeitamente o amor de André e Clarice.

(CONTINUA...)