segunda-feira, 24 de maio de 2010

Todo carnaval tem seu fim.

Se me perguntarem por onde tudo começou, responder será impossível.
Foi no desenrolar das conversas, no começo da amizade, nos sorrisos, nas risadas.
E aquele olhar te condenou. Era perceptível, ao longe, que se encontrava em estado de hipnose.
''Que sentimento é esse, que vem aqui de dentro?!''

E, debaixo do cobertor de estrelas, encontramos o amor escondido. O amor que fazia borbulhar nossos pequenos grandes corações.
Os lábios se tocaram delicadamente, sem pressa de se separarem. Uma, duas, três, quatro, cinco, mil vezes!
As mãos suadas sempre entrelaçadas. Olhos nos olhos e as palavras mais lindas.
''Como é bom esse tal amor!''

Mas, a tão temida ''hora do adeus'' chegou. Abruptamente arrombou as portas de nossas moradas. Nos assustou, mas continuar firmes e fortes foi necessário.
Sua tristeza era tanta que preocupava a qualquer um, principalmente a mim.
''E agora? O que será de nós?!''

Mesmo com as promessas que fizemos um ao outro, de que o ocorrido não nos deixaria tristes, foi impossível evitar que as lágrimas escorressem por nossas faces juvenis.
As bocas, não mais virgens, necessitavam uma da outra. E os braços sentiam a falta de um corpo para acolher.
''Onde estás, meu amor?!''

Sofrer: inevitável.
Raramente podíamos nos comunicar.
As vidas, tão diferentes, nos impediram de manter um contato constante. Mas, de longe, podíamos imaginar o que o outro estava fazendo; o que estava sentindo; o que estava pensando.
Mesmo com a distância, nenhum de nós sentia-se só - tínhamos um ao outro.
''Quero estar junto a ti em julho!''

Tanto desejamos, que se concretizou: sim, estaríamos juntos em julho!
''Espere-me, meu amor! Estarei aí com você!''

Mas, algo estranho aconteceu em seu coraçãozinho. Lindo coraçãozinho que a mim pertencera!
Palavras inversas a tudo o que já havia dito, jogadas em mim, sem nenhum receio.
Assim disse ele: ''É melhor esquecer de tudo e voltar à rotina normal, fazer o que fazíamos desde sempre, só isso''.
''Não é com o garoto doce, por quem me apaixonei, que falo agora. Garoto meigo que prometeu esperar-me o quanto fosse necessário!''

É, realmente as coisas mudam com o tempo.
O que não consigo entender é: se trouxemos toda a nossa história até aqui, por que não esperar mais algum tempo, até que chegue o mês de julho?
Porém, a única pessoa capaz de responder minha pergunta é ele. Então, provavelmente ficarei sem saber.
''E é o fim...''

Encolhida no tapete da sala, chorei. Chorei para o mundo ouvir. Chorei sem medo.
Com a cabeça latejando, pensei. Pensei inúmeras coisas, das quais nem consigo me recordar.
Com o corpo adormecido, senti. Senti falta. Senti medo. Saudade. Raiva. Ódio. Dúvida... Amor!
''Porque ainda te amo? Por que?!''

''Toda rosa é rosa porque assim ela é chamada
Toda bossa é nova e você não liga se é usada
Todo carnaval tem seu fim
Todo carnaval tem seu fim...
E é o fim
E é o fim
Deixe eu brincar de ser feliz
Deixe eu pintar o meu nariz!''

Agora, me faz bem ouvir a música no último volume e sentir seu ritmo pulsando em minhas veias.
O abraço de um outro alguém; os amigos ao meu redor. As gargalhadas; a vontade plena de esquecer dos problemas... Ser simplesmente feliz! Isso me faz bem!

Talvez, amanhã eu prefira escutar atentamente o som do silêncio.
Ficar sozinha; refletir sobre a vida. E, chorar um pouco...

Cada dia desejo algo diferente. Cada dia sou algo diferente.
Não sei ao certo o que quero. Mas não me importa saber.

O que desejo mesmo é descobrir o mundo! Exatamente por isso estou aqui, agora.



(Desculpem-me pelo texto, talvez um pouco confuso, mal escrito e sem um final definido. Ele se compara à minha vida, que encontra-se exatamente assim: confusa, sem definição...
E dedico esse texto à você, meu querido! Mesmo que, talvez, nunca o leia.
Saiba que fui muito feliz enquanto estive ao teu lado).

terça-feira, 11 de maio de 2010

Let it be

Gosto de abraçar apertado, de sorrir com o corpo inteiro, de inventar mundos, só não gosto de inventar amores. O simples me faz rir, o complicado me aborrece. O mundo pra mim é grande, não entendo como moro em um planeta que gira sem parar, nem como funciona o fax.
Verdade seja dita: entender, eu entendo. Mas não faz diferença, os dias passam rápido, existe a tal gravidade, papéis entram e saem de máquinas, ninguém sabe ao certo quem descobriu a cor. (Têm coisas que não precisam ser explicadas. Pelo menos para mim).
Tenho um coração maior do que eu, nunca sei a minha altura, tenho o tamanho de um sonho. E o sonho escreve a minha vida que às vezes eu risco, rabisco, embolo e jogo debaixo da cama (pra descansar a alma e dormir sossegada).
Coragem eu tenho um monte. Mas medo eu tenho poucos. Tenho medo de Jornal Nacional, de lagartixa branca, de maionese vencida, tenho medo das pessoas, tenho medo de mim. Minha bagunça mora aqui dentro, pensamentos dormem e acordam, nunca sei a hora certa. Mas uma coisa eu digo: eu não páro. Perco o rumo, ralo o joelho, bato de frente com a cara na porta: sei aonde quero chegar, mesmo sem saber como. E vou. Sempre me pergunto quanto falta, se está perto, com que letra começa, se vai ter fim, se vai dar certo. Sempre questiono se você está feliz, se eu estou bonita, se eu posso levar pra casa, se eu posso te levar pra mim. Não gosto de meias-palavras, de gente morna, nem de amar em silêncio. Aprendi que palavra é igual oração: tem que ser inteira senão perde a força. E força não há de faltar porque – aqui dentro – eu carrego o meu mundo. Sou menina levada, sou criança crescida. E mesmo 'pequena', não deixo de crescer. Trabalho igual gente grande, fico séria, traço metas. Mas quando chega a hora do recreio, aí vou eu...
Escrevo escondido, faço manha, tomo sorvete no pote, choro quando dói, choro quando não dói. Choro. E eu amo. Ah, e como amo! Amo igual criança. Amo igual adulto. Amo com os olhos vidrados, amo com todas as letras. A-M-O. Sem restrições. Sem medo. Sem frases cortadas. Sem censura. Quer me entender? Não precisa. Quer me fazer feliz? Me dê um chocolate, uma carta, um sorriso sincero, um brinde que você ganhou e não gostou, uma mentira bonita pra me fazer sonhar. Não importa. Todo dia é dia de ser criança e criança não liga pra preço, pra laço de fita e cartão com relevo. Criança gosta mesmo é de beijo, abraço e surpresa!

(E eu – como boa criança que sou – quero mais é rasgar o pacote!)



hahaha, pensamentos mal regulados

por Aurora Guimarães

terça-feira, 4 de maio de 2010

Envelhecida.

Ainda estavam suados, ofegantes. Deitados, um do lado do outro, se olhavam, em silêncio. No olhar, a quietude dos amantes, aquela que diz tantas coisas, tantas coisas... As bocas entreabertas, tão próximas, suplicantes por mais beijos, soltavam a respiração alta, entrecortada, impossível não se ouvir. E ela, tão frágil, desnuda. Sem a maquiagem e as roupas que a tornavam mulher. Sem ter algo com o que se esconder diante daquela figura imponente, tão forte... Ah, sim, ela sentia-se assim: mulher. Dona do mundo, os cabelos lisos tapando-lhe os seios fartos, dos bicos rosados. Era tão cheia de detalhes, ser mulher! As linhas nos cantos dos olhos se tornavam mais fortes com o passar do tempo, e a pele, outrora firme, tornava-se cada vez mais flácida e cheia de imperfeições.
“E ele, tão homem!”, ela pensava. Pois que era mesmo. Aquele corpo ofegante perto do seu era velho conhecido. Os dois amantes já não encontravam mais surpresas ao se amarem, uma vez que tudo o que havia de novo já fora desvendado. Ela, que conhecia cada detalhe do corpo daquele homem, podia citar de olhos fechados todas as marcas adquiridas ao longo da vida, cada mínima parte era sua, pertencia-lhe. E mesmo assim, desejava-o tanto, na sua ânsia de mulher que precisava possuir. Queria tanto aquele corpo, meu Deus! E de tanto querer, envergonhou-se.
O rubor ligeiro passou-lhe pela face suada, o coração palpitante acelerou-se e os poros permitiam que o suor saísse mais depressa. “Ai, que vergonha!”, pensava. Vergonha de desejar tanto algo que já era seu por tantos anos, vergonha pelo corpo envelhecido que ainda fazia pulsar aquele sexo alheio, embora com um pouco mais de esforço... Vergonha, no final, de ter mostrado a ele toda a sua imperfeição, toda a sua parte humana, mulher.
E então, num gesto impulsivo, daqueles que a gente só percebe depois que já fez, colocou o rosto do homem entre suas mãos, apertando como se aperta um passarinho que não se quer deixar escapar. E beijou-lhe a boca úmida, com um fulgor que já não lhe pertencia mais, e sim à mulher que despertara dentro dela. E deixou escapar as lágrimas teimosas que insistiam em sair. As lágrimas de dor, pelo tempo que se fora tão rápido e não voltaria mais, e de alegria, por ter sido tão completamente apaixonada pelo homem que beijava. E também, no fundo sabia, lágrimas de vergonha por ter envelhecido, como se envelhecer fosse um erro imperdoável e ela fosse a culpada por ter deixado acontecer.
O homem, surpreso, intenso, apenas afagou-lhe os cabelos e, olhando os olhos cúmplices da mulher envelhecida, disse:
- Você é a criatura mais perfeita que já me apareceu na vida.E ela, cheia das imperfeições, cheia do pecado de deseja-lo tanto e de deixar o tempo passar, tornara-se, aos olhos dele, perfeita.

por Aurora Guimarães

sábado, 1 de maio de 2010

Conversas de elevador.

-Esfriou hoje, né? - a voz tímida e aveludada soou pelo elevador, rompendo o silêncio.
-Sim. Vai chover amanhã - eu olhava para o chão enquanto falava. Nunca tinha visto a moça no prédio, não sei quem era. Só sei que seu perfume era delicioso e sua voz me encantara.
Meu coração palpitava forte. Oh, aqueles cabelos brilhantes! Oh, aqueles olhos negros!
Seu olhar profundo me fazia estremecer desde os pés até a cabeça. Senti que uma gota de suor escorria por meu pescoço; achei melhor permanecer olhando para o chão mesmo.
O elevador chegou ao andar desejado por ela; abri a porta, em sinal de cavalheirismo. Ela saiu e me agradeceu com um sorriso. Oh, que sorriso!
Subi mais um andar. Peguei a chave que estava no bolso esquerdo da calça e abri a porta do meu apartamento.
-Ela mora um andar abaixo de mim. Como nunca a notei antes? Será que é nova no prédio? Só pode ser! – pensei alto.
Quando entrei - ah, como é bom chegar em casa! - tirei os sapatos e deixei-os na sala. No meio da sala.
Corri para o meu quarto e me joguei na cama. Liguei a TV.
Não estava passando nada de bom... Resolvi então pegar meu livro na sala. Havia muito tempo que eu não lia.
Tropecei nos meus sapatos, por pouco não caí de cara no chão. Achei melhor levá-los para o quarto.
No meu trajeto, passando pelo corredor, ouvi que uma campainha tocou no andar de baixo. Ajoelhei-me no chão e encostei meu ouvido nos tacos de madeira, tentando escutar o que se passava embaixo de mim.
Uma voz masculina, seguida de risadas femininas.
Esta risada não me soava desconhecida... Claro! A moça do elevador!
Mas não pode ser! Um homem chegando a essa hora em sua casa! Entrei em desespero.
Levantei-me do chão e me pus a pensar que esse desespero era sem motivos. Por que isso, se não sabemos nem os nomes um do outro?!
Não sei. Agora, o que sabia era que um homem chegara em sua casa e isso não é bom.
O melhor para mim era dormir. A cama bagunçada não é um problema para quem mora sozinho há alguns anos, já é de costume.
Em meu sonho, ela usava um longo vestido branco, que contrastava com o cabelo e os olhos negros. Aproximava-se de mim com aquele sorriso que eu tanto adoro. O sorriso é algo em que eu sempre reparei nas mulheres; e o dela, realmente me encantara!
Estava pairando no céu, quando fui acordado pela campainha. Quem será?
Meu cabelo mais parecia um ninho de rato, mas isso pouco me importava. Quem ousa interromper meu sonho???
Atordoado, fui andando, ou melhor: cambaleando pelo corredor.
Abri a porta abruptamente sem perguntar quem era.
-Pois não?!
-Sua pizza, senhor.
-Pizza??? Mas eu não pedi pizza nenhuma!
-Este não é o apartamento 72?
-Não, meu caro. É o 71.
-Ah! Desculpe-me pelo engano, senhor. Tenha uma boa noite!
Bati a porta com força, de propósito; creio que o entregador de pizza entendeu que a minha irritação era extrema. Mas claro! Meu sonho foi interrompido!
-Bom, já que eu acordei, vou ver se agora está passando algo de bom na TV – peguei-me pensando alto – ai, agora estou até falando sozinho, eu sou louco.
Mal sabia eu que essa não era a primeira vez em que “conversava com as paredes”.
Acomodei-me em minha cama novamente. Nada de bom passando. Mas, decidi ver um filme de ação, mesmo sendo muito ruim; me lembrava os velhos tempos, quando eu e meu irmão passávamos horas assistindo filmes ruins, zombando das cenas mal feitas... Tão divertido era para nós!
-E o que se passa agora no apartamento 61? Melhor nem pensar! - era o que não parava de martelar em minha cabeça, que já começava a doer. E eu, falava sozinho de novo.
O filme estava realmente chato. Deitei-me, mas a TV continuou ligada. Dentro de alguns instantes, meus olhos se fechavam e eu caía em um sono profundo.
Dessa vez, em meu sonho, eu chegava em minha casa térrea amarela, com meu carro prateado. E quem estava lá, abrindo a porta pra mim?! Oh, aquele sorriso outra vez! Ela não cansava de escancarar a boca, cheia de dentes brancos. E eu, não cansava de admirá-la! Da cozinha, vinha o cheiro de macarrão ao molho branco. Meu preferido!
Quando acordei, os cobertores estavam todos caídos no chão. Meu corpo se encolhia; eu sentia cada vez mais a falta de alguém preenchendo aquele espaço vazio, ao meu lado, na minha imensa cama de casal.
O sonho já não estava mais tão nítido em minha memória.
-Que horas são? – o relógio estava um tanto distante, de maneira que meu braço não o alcançou.
Fui obrigado a me levantar para ver que horas eram.
-MEU DEUS! Vou me atrasar para o trabalho!
Eu só mantenho esse emprego no subúrbio de São Paulo, pois o dono do bar é amigo do meu pai. Passo o dia atendendo os clientes bêbados.
Mas, eu ganho meu salário, posso pagar minhas despesas.
-Arrume-se! Você não pode, de jeito nenhum, ser demitido desse trabalho também! – falar comigo mesmo, faz com que eu me apresse mais. Acredito eu.
Chamei o elevador. Quando estava prestes a chegar, alguém do andar de baixo chamou-o. Ouvi vozes. Aquelas vozes.
- Tchau, meu amor!
- Tchau, minha linda. Esse seu sorriso me mata de amores, sabia?!
Em seguida, a risadinha tímida e o beijo estalado.
- Você volta na semana que vem?
- Claro que volto, coração.
A raiva era grande. Muito grande.
-Só eu posso reparar no sorriso dela e dizer que me mata! Só eu posso... Ah, eu não posso nada. Eu não sou ninguém. Sou só um idiota que conheceu a mulher mais linda do mundo no elevador, agora acredita que está apaixonado por ela e fica escutando as conversas que ela tem com o suposto namorado. Ai, como eu sou idiota! – sussurrei para mim mesmo. Esse costume de falar sozinho e pensar alto estava cada vez mais constante.
Preparei-me para encontrar seu namorado no elevador. Estava louco para ver a cara do sujeito.
O elevador chegou no meu andar. Entrei rapidamente, olhando para o chão. Reparei nos belos sapatos que ele usava.
Desviei, lentamente, o olhar. O chão deixou de ser o alvo dos meus olhos; o que realmente me importava era ver o rosto dele.
Tenho que admitir, o sujeito é mais bonito que eu. Mais... Interessante. Usa trajes chiques e o cabelo penteado.
Fomos em total silêncio até a garagem.
Fui em direção à minha moto. E ele, entrou em seu carro; um belo carro!
Voltando do trabalho, encontrei-a novamente no elevador.
-Oi – não sei como, mas criei coragem para abrir a boca.
-Oi! Tudo bem?
-Tudo... E você? – menti um tanto, dizendo que estava tudo bem. Depois da manhã de hoje, como estaria tudo bem?! Como?!
-Tudo ótimo! – e o sorriso se abriu. Oh!
Conversas de elevador, geralmente, param por aí.
Como ontem, abri a porta, deixando-a passar. Seu sorriso fez com que meu dia se tornasse um pouco mais belo e colorido.
Peguei a chave no bolso esquerdo da calça, como de costume.
E tudo foi como ontem: estava exausto. Dormi e sonhei com ela. Fui acordado, só que, dessa vez, pelo telefonema do meu pai. Dormi novamente, assistindo a um péssimo filme de ação.
Reservei este sábado para descansar. Nada de sair com os amigos para beber demais; não quero ficar de ressaca amanhã.
Como é bom o sábado, não é mesmo?!
Pretendia dormir até tarde. Mas, a campainha tocou às 8:30.
-Pois não?!
-Você tem um pouco de farinha e alguns ovos para me emprestar? É que amanhã é aniversário do meu namorado e eu queria fazer um bolo para ele!
Aquela voz não me era estranha... Decidi fazer um esforço e abrir os olhos para ver quem estava em minha porta.
Sim! Era ela!
E eu assim, com esse ninho de rato na cabeça! Com esse pijama constrangedor!
Manter a calma foi a melhor coisa que eu pude fazer. Tentei enxergar o lado bom: ela estava ali, diante de mim, falando coisas mais interessantes comparadas às conversas de elevador.
- Eu acho que tenho sim... Só um instante!
- Tudo bem. Obrigada.
-Ah, você quer entrar? Se sentar? Tomar uma água, talvez? – mesmo com aquele frio na barriga, tentei parecer despreocupado. Creio que consegui.
-Não, obrigada. Vou esperara aqui fora mesmo.
Como pode haver mulher tão bela no mundo? Era a pergunta que fazia a mim mesmo todos os dias. E eu, aqui, diante dela, nesse estado!
Voltei com a farinha e os ovos em um potinho de tampa azul. Estendi a mão para que ela pegasse o recipiente; porém, parecia prestar mais atenção no meu pijama do que em qualquer outra coisa. AI MEU DEUS! Que constrangedor!
-Ah! Obrigada! – e saiu correndo, meio avoada. Desceu as escadas rapidamente.
Eu fiquei ali, plantado na porta, sem acreditar no que tinha acabado de acontecer.
Não consegui mais pegar no sono. Mas tudo bem, aproveitei para colocar a leitura em dia.
E foram cinco meses assim, com essa mesma rotina. Sim, eu sei, é estranho. Mas aquele sorriso se tornou realmente especial para mim. Aquele cabelo, aqueles olhos, aquela voz.
Pela primeira vez, não acordei atrasado. O namorado dela não chegou em sua casa quinta-feira a noite. Não encontrei-a no elevador ao chegar do trabalho. E, quando fui abrir a porta de casa, procurei a chave no bolso esquerdo, mas ela não estava lá. Intrigado, encontrei-a no bolso direito da calça.
Esse dia estava estranhamente diferente. E isso não é bom... Eu creio.
Quando desci para pegar o jornal, encontrei-a no elevador.
Pude perceber que ela tentava esconder seu sorriso. Curioso. Nunca a vi fazendo isso.
Olhei fixamente para seus olhos; não foi mais possível para ela esconder aquilo que acabou se tornando uma risada. Uma longa e gostosa risada.
Eu sorri, mas fiquei me perguntando se ela estaria rindo de mim... Será?
-Eu e meu namorado vamos começar a mudança hoje! E eu estou muito feliz!
-É, eu percebi que está feliz. Que bom! Mas... Mudança? Por que?
-Porque vamos nos casar!
Fiquei em estado de choque. Não consegui me mover, muito menos pronunciar uma palavra.
-Que foi? Está se sentindo mal? - perguntou, parecendo preocupada.
-Não! Estou feliz por vocês... Parabéns - não sei se consegui fingir muito bem a felicidade, mas, pelo menos, consegui dizer algo.
E, tomada por uma profunda alegria, atirou-se em meus braços.
Eu não entendi o que estava acontecendo. Apenas, sei que foi o melhor abraço que já recebi no mundo!
Ela se aproximou do meu ouvido, e sussurrou:
-Obrigada, querido vizinho, por tudo! Pelas conversas de elevador e pela farinha e ovos que eu nunca mais lhe devolvi!
Eu estava em completo êxtase! E ela soltou uma gargalhada que me deixou derretido. Mais uma vez.
O elevador chegou no térreo. Ela se soltou dos meus braços e eu fui buscar o jornal, deixando-a sozinha no elevador.
Que idiota! Por que eu não respondi nada a ela?! Provavelmente, essa foi a última vez em que nos vimos... A última conversa de elevador.
Voltei para meu apartamento. Não aguentei, tive de colocar para fora o que sentia. Havia um bom tempo que não chorava; mas foi inevitável.
Sim, o dia de hoje foi estranhamente diferente. E vai ficar marcado em minha memória.
Aquele sorriso que me alegrava, depois do dia cansativo de trabalho no barzinho suburbano, se foi. Para sempre.
Minha blusa ainda estava perfumada. Abraço inesquecível fora este.
Mas, eu sei que, um dia, vou esquece-la. Pois, tudo ficou por isso mesmo - apenas boas conversas de elevador.

Tempo.

O tempo é travesso. Prega peças ao redor de nós.
Passa sem deixar pistas; mas, deixa vestígios, lembranças.
O futuro está tão distante... O futuro está tão próximo...
E o tempo, travesso, está aqui; caminha conosco e prega peças em nosso futuro presente.