sábado, 1 de maio de 2010

Conversas de elevador.

-Esfriou hoje, né? - a voz tímida e aveludada soou pelo elevador, rompendo o silêncio.
-Sim. Vai chover amanhã - eu olhava para o chão enquanto falava. Nunca tinha visto a moça no prédio, não sei quem era. Só sei que seu perfume era delicioso e sua voz me encantara.
Meu coração palpitava forte. Oh, aqueles cabelos brilhantes! Oh, aqueles olhos negros!
Seu olhar profundo me fazia estremecer desde os pés até a cabeça. Senti que uma gota de suor escorria por meu pescoço; achei melhor permanecer olhando para o chão mesmo.
O elevador chegou ao andar desejado por ela; abri a porta, em sinal de cavalheirismo. Ela saiu e me agradeceu com um sorriso. Oh, que sorriso!
Subi mais um andar. Peguei a chave que estava no bolso esquerdo da calça e abri a porta do meu apartamento.
-Ela mora um andar abaixo de mim. Como nunca a notei antes? Será que é nova no prédio? Só pode ser! – pensei alto.
Quando entrei - ah, como é bom chegar em casa! - tirei os sapatos e deixei-os na sala. No meio da sala.
Corri para o meu quarto e me joguei na cama. Liguei a TV.
Não estava passando nada de bom... Resolvi então pegar meu livro na sala. Havia muito tempo que eu não lia.
Tropecei nos meus sapatos, por pouco não caí de cara no chão. Achei melhor levá-los para o quarto.
No meu trajeto, passando pelo corredor, ouvi que uma campainha tocou no andar de baixo. Ajoelhei-me no chão e encostei meu ouvido nos tacos de madeira, tentando escutar o que se passava embaixo de mim.
Uma voz masculina, seguida de risadas femininas.
Esta risada não me soava desconhecida... Claro! A moça do elevador!
Mas não pode ser! Um homem chegando a essa hora em sua casa! Entrei em desespero.
Levantei-me do chão e me pus a pensar que esse desespero era sem motivos. Por que isso, se não sabemos nem os nomes um do outro?!
Não sei. Agora, o que sabia era que um homem chegara em sua casa e isso não é bom.
O melhor para mim era dormir. A cama bagunçada não é um problema para quem mora sozinho há alguns anos, já é de costume.
Em meu sonho, ela usava um longo vestido branco, que contrastava com o cabelo e os olhos negros. Aproximava-se de mim com aquele sorriso que eu tanto adoro. O sorriso é algo em que eu sempre reparei nas mulheres; e o dela, realmente me encantara!
Estava pairando no céu, quando fui acordado pela campainha. Quem será?
Meu cabelo mais parecia um ninho de rato, mas isso pouco me importava. Quem ousa interromper meu sonho???
Atordoado, fui andando, ou melhor: cambaleando pelo corredor.
Abri a porta abruptamente sem perguntar quem era.
-Pois não?!
-Sua pizza, senhor.
-Pizza??? Mas eu não pedi pizza nenhuma!
-Este não é o apartamento 72?
-Não, meu caro. É o 71.
-Ah! Desculpe-me pelo engano, senhor. Tenha uma boa noite!
Bati a porta com força, de propósito; creio que o entregador de pizza entendeu que a minha irritação era extrema. Mas claro! Meu sonho foi interrompido!
-Bom, já que eu acordei, vou ver se agora está passando algo de bom na TV – peguei-me pensando alto – ai, agora estou até falando sozinho, eu sou louco.
Mal sabia eu que essa não era a primeira vez em que “conversava com as paredes”.
Acomodei-me em minha cama novamente. Nada de bom passando. Mas, decidi ver um filme de ação, mesmo sendo muito ruim; me lembrava os velhos tempos, quando eu e meu irmão passávamos horas assistindo filmes ruins, zombando das cenas mal feitas... Tão divertido era para nós!
-E o que se passa agora no apartamento 61? Melhor nem pensar! - era o que não parava de martelar em minha cabeça, que já começava a doer. E eu, falava sozinho de novo.
O filme estava realmente chato. Deitei-me, mas a TV continuou ligada. Dentro de alguns instantes, meus olhos se fechavam e eu caía em um sono profundo.
Dessa vez, em meu sonho, eu chegava em minha casa térrea amarela, com meu carro prateado. E quem estava lá, abrindo a porta pra mim?! Oh, aquele sorriso outra vez! Ela não cansava de escancarar a boca, cheia de dentes brancos. E eu, não cansava de admirá-la! Da cozinha, vinha o cheiro de macarrão ao molho branco. Meu preferido!
Quando acordei, os cobertores estavam todos caídos no chão. Meu corpo se encolhia; eu sentia cada vez mais a falta de alguém preenchendo aquele espaço vazio, ao meu lado, na minha imensa cama de casal.
O sonho já não estava mais tão nítido em minha memória.
-Que horas são? – o relógio estava um tanto distante, de maneira que meu braço não o alcançou.
Fui obrigado a me levantar para ver que horas eram.
-MEU DEUS! Vou me atrasar para o trabalho!
Eu só mantenho esse emprego no subúrbio de São Paulo, pois o dono do bar é amigo do meu pai. Passo o dia atendendo os clientes bêbados.
Mas, eu ganho meu salário, posso pagar minhas despesas.
-Arrume-se! Você não pode, de jeito nenhum, ser demitido desse trabalho também! – falar comigo mesmo, faz com que eu me apresse mais. Acredito eu.
Chamei o elevador. Quando estava prestes a chegar, alguém do andar de baixo chamou-o. Ouvi vozes. Aquelas vozes.
- Tchau, meu amor!
- Tchau, minha linda. Esse seu sorriso me mata de amores, sabia?!
Em seguida, a risadinha tímida e o beijo estalado.
- Você volta na semana que vem?
- Claro que volto, coração.
A raiva era grande. Muito grande.
-Só eu posso reparar no sorriso dela e dizer que me mata! Só eu posso... Ah, eu não posso nada. Eu não sou ninguém. Sou só um idiota que conheceu a mulher mais linda do mundo no elevador, agora acredita que está apaixonado por ela e fica escutando as conversas que ela tem com o suposto namorado. Ai, como eu sou idiota! – sussurrei para mim mesmo. Esse costume de falar sozinho e pensar alto estava cada vez mais constante.
Preparei-me para encontrar seu namorado no elevador. Estava louco para ver a cara do sujeito.
O elevador chegou no meu andar. Entrei rapidamente, olhando para o chão. Reparei nos belos sapatos que ele usava.
Desviei, lentamente, o olhar. O chão deixou de ser o alvo dos meus olhos; o que realmente me importava era ver o rosto dele.
Tenho que admitir, o sujeito é mais bonito que eu. Mais... Interessante. Usa trajes chiques e o cabelo penteado.
Fomos em total silêncio até a garagem.
Fui em direção à minha moto. E ele, entrou em seu carro; um belo carro!
Voltando do trabalho, encontrei-a novamente no elevador.
-Oi – não sei como, mas criei coragem para abrir a boca.
-Oi! Tudo bem?
-Tudo... E você? – menti um tanto, dizendo que estava tudo bem. Depois da manhã de hoje, como estaria tudo bem?! Como?!
-Tudo ótimo! – e o sorriso se abriu. Oh!
Conversas de elevador, geralmente, param por aí.
Como ontem, abri a porta, deixando-a passar. Seu sorriso fez com que meu dia se tornasse um pouco mais belo e colorido.
Peguei a chave no bolso esquerdo da calça, como de costume.
E tudo foi como ontem: estava exausto. Dormi e sonhei com ela. Fui acordado, só que, dessa vez, pelo telefonema do meu pai. Dormi novamente, assistindo a um péssimo filme de ação.
Reservei este sábado para descansar. Nada de sair com os amigos para beber demais; não quero ficar de ressaca amanhã.
Como é bom o sábado, não é mesmo?!
Pretendia dormir até tarde. Mas, a campainha tocou às 8:30.
-Pois não?!
-Você tem um pouco de farinha e alguns ovos para me emprestar? É que amanhã é aniversário do meu namorado e eu queria fazer um bolo para ele!
Aquela voz não me era estranha... Decidi fazer um esforço e abrir os olhos para ver quem estava em minha porta.
Sim! Era ela!
E eu assim, com esse ninho de rato na cabeça! Com esse pijama constrangedor!
Manter a calma foi a melhor coisa que eu pude fazer. Tentei enxergar o lado bom: ela estava ali, diante de mim, falando coisas mais interessantes comparadas às conversas de elevador.
- Eu acho que tenho sim... Só um instante!
- Tudo bem. Obrigada.
-Ah, você quer entrar? Se sentar? Tomar uma água, talvez? – mesmo com aquele frio na barriga, tentei parecer despreocupado. Creio que consegui.
-Não, obrigada. Vou esperara aqui fora mesmo.
Como pode haver mulher tão bela no mundo? Era a pergunta que fazia a mim mesmo todos os dias. E eu, aqui, diante dela, nesse estado!
Voltei com a farinha e os ovos em um potinho de tampa azul. Estendi a mão para que ela pegasse o recipiente; porém, parecia prestar mais atenção no meu pijama do que em qualquer outra coisa. AI MEU DEUS! Que constrangedor!
-Ah! Obrigada! – e saiu correndo, meio avoada. Desceu as escadas rapidamente.
Eu fiquei ali, plantado na porta, sem acreditar no que tinha acabado de acontecer.
Não consegui mais pegar no sono. Mas tudo bem, aproveitei para colocar a leitura em dia.
E foram cinco meses assim, com essa mesma rotina. Sim, eu sei, é estranho. Mas aquele sorriso se tornou realmente especial para mim. Aquele cabelo, aqueles olhos, aquela voz.
Pela primeira vez, não acordei atrasado. O namorado dela não chegou em sua casa quinta-feira a noite. Não encontrei-a no elevador ao chegar do trabalho. E, quando fui abrir a porta de casa, procurei a chave no bolso esquerdo, mas ela não estava lá. Intrigado, encontrei-a no bolso direito da calça.
Esse dia estava estranhamente diferente. E isso não é bom... Eu creio.
Quando desci para pegar o jornal, encontrei-a no elevador.
Pude perceber que ela tentava esconder seu sorriso. Curioso. Nunca a vi fazendo isso.
Olhei fixamente para seus olhos; não foi mais possível para ela esconder aquilo que acabou se tornando uma risada. Uma longa e gostosa risada.
Eu sorri, mas fiquei me perguntando se ela estaria rindo de mim... Será?
-Eu e meu namorado vamos começar a mudança hoje! E eu estou muito feliz!
-É, eu percebi que está feliz. Que bom! Mas... Mudança? Por que?
-Porque vamos nos casar!
Fiquei em estado de choque. Não consegui me mover, muito menos pronunciar uma palavra.
-Que foi? Está se sentindo mal? - perguntou, parecendo preocupada.
-Não! Estou feliz por vocês... Parabéns - não sei se consegui fingir muito bem a felicidade, mas, pelo menos, consegui dizer algo.
E, tomada por uma profunda alegria, atirou-se em meus braços.
Eu não entendi o que estava acontecendo. Apenas, sei que foi o melhor abraço que já recebi no mundo!
Ela se aproximou do meu ouvido, e sussurrou:
-Obrigada, querido vizinho, por tudo! Pelas conversas de elevador e pela farinha e ovos que eu nunca mais lhe devolvi!
Eu estava em completo êxtase! E ela soltou uma gargalhada que me deixou derretido. Mais uma vez.
O elevador chegou no térreo. Ela se soltou dos meus braços e eu fui buscar o jornal, deixando-a sozinha no elevador.
Que idiota! Por que eu não respondi nada a ela?! Provavelmente, essa foi a última vez em que nos vimos... A última conversa de elevador.
Voltei para meu apartamento. Não aguentei, tive de colocar para fora o que sentia. Havia um bom tempo que não chorava; mas foi inevitável.
Sim, o dia de hoje foi estranhamente diferente. E vai ficar marcado em minha memória.
Aquele sorriso que me alegrava, depois do dia cansativo de trabalho no barzinho suburbano, se foi. Para sempre.
Minha blusa ainda estava perfumada. Abraço inesquecível fora este.
Mas, eu sei que, um dia, vou esquece-la. Pois, tudo ficou por isso mesmo - apenas boas conversas de elevador.

2 comentários:

  1. Bem que você me disse, inúmeras vezes, que estava ficando interessante seu texto.
    E digo:é gostoso de ler, tem um charme irresistível, coloca sorriso no rosto apesar de ter um 'quê' de angústia; quem sabe, as vezes, a angústia não possa sorrir para nós?
    Ai Alice, você e sua eterna paixão por amores impossíveis e por finais nem sempre felizes...
    Parabéns priminha, gostei muito muito, mesmo!

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  2. Neste texto, observa-se o cotidiano. Além disso, demonstra como nós, seres sociais, temos a necessidade do outro; um complemento para as nossas vidas. A concretização do amor não é tão significativa quanto a idealização dele. Estas linhas nos lembram, de certo modo, a estética romântica na qual a idealização e o subjetivismo se entrelaçam em muitas obras. Por isso, acredito que é um bom exemplo da presença do outro em mim que de forma arrebatadora nos põem em chão. Muito bom!

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