terça-feira, 4 de maio de 2010

Envelhecida.

Ainda estavam suados, ofegantes. Deitados, um do lado do outro, se olhavam, em silêncio. No olhar, a quietude dos amantes, aquela que diz tantas coisas, tantas coisas... As bocas entreabertas, tão próximas, suplicantes por mais beijos, soltavam a respiração alta, entrecortada, impossível não se ouvir. E ela, tão frágil, desnuda. Sem a maquiagem e as roupas que a tornavam mulher. Sem ter algo com o que se esconder diante daquela figura imponente, tão forte... Ah, sim, ela sentia-se assim: mulher. Dona do mundo, os cabelos lisos tapando-lhe os seios fartos, dos bicos rosados. Era tão cheia de detalhes, ser mulher! As linhas nos cantos dos olhos se tornavam mais fortes com o passar do tempo, e a pele, outrora firme, tornava-se cada vez mais flácida e cheia de imperfeições.
“E ele, tão homem!”, ela pensava. Pois que era mesmo. Aquele corpo ofegante perto do seu era velho conhecido. Os dois amantes já não encontravam mais surpresas ao se amarem, uma vez que tudo o que havia de novo já fora desvendado. Ela, que conhecia cada detalhe do corpo daquele homem, podia citar de olhos fechados todas as marcas adquiridas ao longo da vida, cada mínima parte era sua, pertencia-lhe. E mesmo assim, desejava-o tanto, na sua ânsia de mulher que precisava possuir. Queria tanto aquele corpo, meu Deus! E de tanto querer, envergonhou-se.
O rubor ligeiro passou-lhe pela face suada, o coração palpitante acelerou-se e os poros permitiam que o suor saísse mais depressa. “Ai, que vergonha!”, pensava. Vergonha de desejar tanto algo que já era seu por tantos anos, vergonha pelo corpo envelhecido que ainda fazia pulsar aquele sexo alheio, embora com um pouco mais de esforço... Vergonha, no final, de ter mostrado a ele toda a sua imperfeição, toda a sua parte humana, mulher.
E então, num gesto impulsivo, daqueles que a gente só percebe depois que já fez, colocou o rosto do homem entre suas mãos, apertando como se aperta um passarinho que não se quer deixar escapar. E beijou-lhe a boca úmida, com um fulgor que já não lhe pertencia mais, e sim à mulher que despertara dentro dela. E deixou escapar as lágrimas teimosas que insistiam em sair. As lágrimas de dor, pelo tempo que se fora tão rápido e não voltaria mais, e de alegria, por ter sido tão completamente apaixonada pelo homem que beijava. E também, no fundo sabia, lágrimas de vergonha por ter envelhecido, como se envelhecer fosse um erro imperdoável e ela fosse a culpada por ter deixado acontecer.
O homem, surpreso, intenso, apenas afagou-lhe os cabelos e, olhando os olhos cúmplices da mulher envelhecida, disse:
- Você é a criatura mais perfeita que já me apareceu na vida.E ela, cheia das imperfeições, cheia do pecado de deseja-lo tanto e de deixar o tempo passar, tornara-se, aos olhos dele, perfeita.

por Aurora Guimarães

3 comentários:

  1. ''Deixa o moço bater
    Que eu cansei da nossa fuga
    Já não vejo motivos
    Pra um amor de tantas rugas
    Não ter o seu lugar''

    Genial, Ló. (:

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  2. Muito lindo! Amei prima, continue compartilhando seu talento conosco :)

    Camila

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  3. Aí está o erótico de que tanto falo: palavras nas quais escorrem o sexo dos sentidos humanos. Parabéns!!!

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