quarta-feira, 15 de setembro de 2010

"Dona Madalena: dia-a-dia"

(segundo capítulo de ''Jailton, às suas ordens!'')


Lá foi Dona Madalena, às oito e meia da manhã: cabelo louro arrumado, exalando perfume pelos corredores do prédio, ombro esquerdo meio torto por culpa do peso da bolsa, batom vermelho, bochechas rosadas, brincos dourados, sandálias de salto.
Foi apressadamente ao encontro do portão – até o trabalho, ainda havia uma longa jornada... ônibus, metrô, caminhada... –, cumprimentou Jailton, o porteiro simpático, com um sorriso, e foi-se embora.
“Dona Madalena é uma mulher trabalhadora...”, pensava Jailton, de dentro da cabinezinha.

Chegado o fim da tarde, Dona Madalena dependurava novamente a bolsa no ombro esquerdo e encerrava o espediente no Salão de Beleza do Chiquinho, no qual trabalha como manicure.
Seu destino: caminhada até o metrô.

“Que azar, peguei o metrô velho hoje”, pensava ela ao se espremer por entre as pessoas. Levou umas duas ou três mochiladas até conseguir alcançar um lugar para se acomodar no fundo do velho vagão abafado.

– Eu podia ta matanu, eu podia ta robanu, eu podia ta me prostituinu... mas eu to aqui, pedinu humildemente uma ajudinha dos senhô. Quem tivé uma moedinha, faça essa caridade pro pobre que necessita. Aceito até de cinco centavu... tem uma moedinha aí, moço?
– Sinto muito, eu não tenho... – respondeu o senhor que estava ao lado da pobre mulher.
– Faça essa caridade, eu tenho três filho pra criá sozinha, moço.
– Sinto muito mesmo, mas eu realmente não tenho uma moeda pra te dar. Se você quiser, eu te pago um lanche.
– Ah não, senhô, eu preciso é de dinheiro...

“Pobre mulher...”, pensou Dona Madalena, do fundo do vagão. “Deus, abençoa e ilumina essa moça e seus filhos. Amém”.

Saindo do metrô, o destino de Dona Madalena era o ponto de ônibus.
Por mais que seja tão comum o fato de presenciar cenas como a do metrô, elas não lhe saem rápido da cabeça. “Eu devia ter dado uma moedinha praquela moça, coitada... não faria falta pra mim, enquanto para ela, seria grande coisa”. Dona Madalena não perdoaria a si mesma tão rápido por não ter ajudado a pobre mulher.

Como se já não bastasse a cena que presenciara no metrô, andando em direção ao ponto de ônibus, Dona Madalena se depara com um morador de rua sofrendo com o frio da noite; seu corpo encolhido sobre o papelão úmido, as mãos fechadas, pés imundos... vestia trapos, tremia compulsivamente.
Ela preferiu não olhar, pois só sofreria ainda mais.

Enquanto esperava pelo ônibus, ficou prestando atenção nas conversas das pessoas ao seu redor.

Uns falavam sobre eleições:
–Cara, em quem você vai votar?
– Meu, acho que vou votar no Tiririca... não entendo nada de política mesmo...
Dona Madalena, ao ouvir isso, teve vontade de dar um grande tabefe na cabeça do moleque, mas segurou-se; “deve ser uma ‘criança’ de dezoito anos que mal sabe da vida”, pensou ela.

Outras falavam sobre futilidades:
–Ai, amiga, gostou do meu esmalte?!,
– Amei, amiga! É ‘Atrevida’?
“Meu Deus, olha só o nome do esmalte... não têm mais o que inventar mesmo...”

O ônibus chegou. Com dificuldade, Dona Madalena passou pelas catracas e sentou-se ao fundo, ao lado das janelas.
Pensou no bando de jovens que a ultrapassara quando subia no ônibus, como hoje em dia não se tem mais educação... pensou no jantar que ainda teria que preparar quando chegasse em casa cansada, dali uns quinze minutos... na sala desarrumada, na roupa suja, no dia seguinte, que seria exatamente como o dia de hoje...
A verdade, é que Dona Madalena se cansa cada dia mais da sua vida solitária. “Só não sou mais sozinha que a Senhora Matilde”. Realmente. Senhora Matilde já aprendeu a conviver com a solidão... mas isso não quer dizer que a pobrezinha não sofra.

Chegou ao ponto desejado exatamente em quinze minutos, como calculara.
Andou dois quarteirões e chegou ao prédio. Jailton levava um sorriso no rosto, como sempre.
Subir os cinco degraus situados na entrada do prédio não foi tarefa fácil, pois o pé calejado incomodava terrivelmente Dona Madalena. Cabelo despenteado entrando nos olhos, ombro ainda mais torto, bolsa ainda mais pesada. Como é cansativo um dia de trabalho!

– Boa noite, Dona Madalena!
– Boa noite, Jailton! Como vai?
– Vou muito bem! E a senhorita?
– Senhorita? Hahaha, foram-se os tempos em que eu era uma senhorita, meu querido... agora sou uma quarentona...
– Imagina, Dona Madalena! Pra mim, sempre será uma elegante senhorita!
– Bondade a sua, Jailton... Estou tão cansada...
– Ah, eu sei como é. Eu também tenho que enfrentar metrô, ônibus, caminhada... todos os dias! Falando nisso, daqui a pouco já encerro o espediente. A diferença é que você é uma senhorita! Admiro muito a sua coragem, Dona Madalena.
– Ah, imagina Jailton! – ficou um tanto sem graça com o elogio do porteiro – Estou acostumada com tudo isso já... e, quer saber, me canso, mas gosto do que faço! Melhor do que ficar presa em uma casa, sem fazer nada.
– Com certeza! Nem me diga... me lembrei agora da Senhora Matilde, coitada! Ontem veio aqui conversar comigo e disse que quer comprar um gatinho pra lhe fazer companhia... imagine só se ela tem condições de cuidar de bicho! Mas não adianta, quando ela encasqueta que quer alguma coisa, sai de baixo!
– É, a Senhora Matilde é assim... vocês têm conversado ultimamente?
– Sim, ela sempre passa aqui de tarde e temos bons papos! Também me traz bolo de fubá... nós fazemos companhia um ao outro.
– Bom, muito bom! Assim nem ela fica sozinha no apartamento, e nem você aqui nessa cabine mofada, não é mesmo?
– Ah, nem me diga! Eu não aguentaria ficar aqui o dia todo, todos os dias, sem conversar com ninguém...
– Eu imagino. Bem, eu tenho que ir, a cozinha e as roupas sujas me esperam!
– Puxa, ainda tem que cozinhar e lavar? Te admiro muito mesmo, Dona Madalena.
– Que isso, Jailton... Beijos, até mais ver.
– Um beijo, até mais...

A cada dia que passa, Jailton enxerga a todos de um modo diferente. Exceto Dona Marindalva – há algum tempo, fora essa a sua favorita –, que é, e sempre será apenas “a gostosa”.
Dona Madalena não... ela é diferente e especial aos olhos dele; os faz brilhar, a testa sua e a vontade de trabalhar é triplicada. É algo que costumo chamar de “sentimento sem nome”. Diria também “atração”, ou pode até mesmo ser o começo do amor no coração deste homem...
O mais curioso, é que Dona Madalena também sente algo paracido...

Quem sabe? Por enquanto, nem mesmo eles.

(Continua...)

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