segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O amor é como torta de morango.

...
- Mas por que?!
- Ah, porque sim.
- “Porque sim” não é resposta.
- Lógico que é.
- Desde quando você ta planejando isso?
- Semana passada.
- Mas por que você decidiu ir embora, assim, de repente?
- Sei lá, acho que cansei da minha vida, acho que tenho que explorar mais o mundo, não sei...
- Você é maluca... mas, pera aí, você não é feliz aqui comigo?
- Não é questão de ser feliz ou não ser feliz, é questão de precisar respirar novos ares.
- Acho melhor a gente conversar direito sobre isso.
- Eu não acho.
- Por que não?
- Ah, ta bom, vamos conversar.
- Eu estou chegando à conclusão de que a gente não se conhece tão bem quanto pensávamos...
- Você pensava que nos conhecíamos tão bem assim? Eu sabia que não.
- Então agora é uma boa hora pra nos conhecermos, não acha?
- É, pode ser.
- Tá bom. Qual é o seu CD preferido?
- Álbum branco dos Beatles.
- Ah, esse é bom mesmo. Quais são os seus filmes preferidos?
- Across the Universe e Yellow Submarine.
- Poxa, eu não sabia que você gostava tanto de Beatles...
- Você não sabe quase nada sobre mim.
- E você também não sabe quase nada sobre mim.
- Quem disse?
- Você mesma.
- Eu não disse nada.
- Então seus olhos disseram.
- Ai, para.
- Ta bom. Então... qual é meu nome completo? Duvido que você saiba.
- Ah, essa é fácil né? Marcos Moraes da Costa Martins.
- Marcos da Costa Moraes Martins. Errou, mocinha.
- Ainda não passou essa sua mania de me chamar de “mocinha”?
- Não. E nunca passará.
- Por que não?
- Porque eu adoro te irritar.
- Por que você adora me irritar?
- Porque você fica ainda mais lindinha irritadinha, MOCINHA.
- Não tem graça.
- Pra você não, mas pra mim sim.
- Tá, chega. Agora, me diz, qual foi a primeira coisa que você viu em mim, que te fez ficar tão apaixonado?
- Quem disse que eu sou tão apaixonado?
- Seus olhos.
- Meus olhos?
- Vai, responde.
- Seus olhos.
- Meus olhos?
- Sim.
- E o que mais?
- O olhar sincero que havia por detrás deles.
- Tá, tem que ter alguma coisa além dos olhos...
- Tem sim.
- O que?
- Tudo.
- ...
- É sério.
- Agora é sua vez de perguntar.
- Ok. E você?
- Eu o que?
- O que você viu em mim, que te deixou tão apaixonada?
- Ah... esses seus óculos eu tenho certeza de que não foram... hahaha
- Responde direito.
- Seu jeito engraçado, que sempre me fez muito feliz. Você é completamente doido, sabia?
- Doido de amor por você.
- Tô falando sério.
- Haha, eu também.
- Me dá a mão? Quero senti-la... é tão quentinha...
- Ao contrário das suas. Mas as suas, são macias.
- Os opostos se complementam.
- Nós somos a prova viva disso.
- Também acho.
- Pra onde você vai fugir?
- Pro Japão.
- Tô falando sério.
- Mas por que você quer saber pra onde eu vou?
- Pra poder, em algum momento, te procurar, ir desesperado atrás de você...
- Mas eu não quero que você faça isso.
- Mas eu quero fazer isso.
- Mas eu não quero que você faça e pronto.
- Você não quer mesmo me ver nunca mais né?
- Se um dia eu quiser, vou saber onde você está, daí é só vir aqui, e fazer uma visitinha.
- Como você sabe se a minha vida vai ser sempre essa?
- De qualquer forma, seu coração será eternamente meu, Marcos, querido.
- Como você sabe, Camila, querida?
- Seus olhos me dizem todo dia.
- É, você está certa.
- Eu sei.
- Eu sei que você sabe.
- Sabe, eu acho que o amor é como uma torta de morango.
- Oi?
- Você colhe todos os morangos com cuidado, faz a torta, espera esfriar, come tudo rápido pra não ter que dividir com ninguém, e, finalmente, vai assistir TV sentado no sofá, com a boca toda melecada de geléia de morango. Fim!
- Boa comparação, concordo com você.
- Vou sentir saudades disso.
- Disso o que?
- Das nossas loucuras... não vai ser fácil achar alguém como você no mundo, alguém que me escute com paciência e ainda concorde com o que eu digo.
- É que eu te amo, Camila.
- Eu também te amo, Marcos.
- Então por que você vai embora?
- Eu já te expliquei.
- Mas eu não consegui entender.
- Claro que conseguiu. Quem sabe se, um dia, eu não volto né?
- É, quem sabe...
- E pra você, o que é o amor?
- Tem que ser uma comparação “nada a ver” também?
- A minha comparação foi “nada a ver”?
- ...
- Ta bom, a minha comparação foi “nada a ver”. Ah, você que sabe, faça sua comparação como desejar.
- Ok, então. Pra mim, o amor é como... um baú de brinquedos. Você ama aumentar o número de brinquedos do seu baú, ama ganhar o brinquedo mais moderno e mágico... só que, no final, o seu brinquedo preferido é sempre aquele mais antigo, aquele que aos olhos de outra pessoa não tem nada de especial, mas ele sempre esteve com você, em todos os momentos, é o seu companheiro mais antigo e mais especial.
- Até que faz sentido... o mais especial é o mais importante pra você, e não para os outros. Sim, faz sentido sim.
- É.
- Sabe o que eu estou com vontade de fazer?
- O que? Sair correndo daqui e fugir agora, já?
- Não, seu bobo. Estou com vontade de te beijar. Mas tem que ser um beijo especial.
- Sou expert nesses.
- Por que você é tão convencido, hein Marcos?
- Por que você não tem senso de humor, hein Camila?
- Pronto, perdi a vontade de beijar.
- Ai Deus...
- Posso te contar meu sonho?
- Pode.
- Ta bom. Presta atenção hein?
- Ok.
- Nós acabamos o namoro...
- Ah, mas isso é verdade mesmo, né?
- Não me corta!
- Desculpa.
- Tudo bem. Então, nós acabamos o namoro e você se mudou pra Itália, onde conheceu Janet e vocês se casaram e tiveram um filho, o Stefano, mas daí você descobriu que a Janet estava te traindo com Lucas, que, por sua vez, era casado com Bárbara, uma brasileira que se mudou pra Itália no mesmo ano que você. Sua amizade com Bárbara foi crescendo, até que vocês se casaram e você... Ah, guarda os nomes que é importante tá?... Então, você e Bárbara se casaram e você deixou Stefano aos cuidados de Janet e Lucas. Então, o novo casalsinho feliz, você e Bárbara, foi ao Brasil em lua de mel, mas na hora de voltar pra Itália, ela não quis, preferiu voltar a morar no Brasil com os pais, então o casamento terminou antes mesmo de começar. Aí, pra se recuperar da tristeza de perder três mulheres, eu, Janet e Bárbara, em cinco anos, você foi para o Hawaii, onde conheceu gêmeas dançarinas, que aceitaram a sua proposta de casamento triplo, e vocês três foram viver numa cabana afastada da cidade. Mas então... você se cansou dessa vida, depois de dois anos, e voltou ao Brasil, deixando para trás suas duas mulheres gostosas e seus três filhos. Você voltou, porque percebeu que era totalmente obcecado por mim, e passou a me procurar em todos os lugares, me enxergar em todos os lugares, sair por aí gritando o meu nome, ficou louco e foi internado pelos seus próprios pais.
- Tem certeza de que você sonhou isso mesmo?
- Ok, uma pequena parte foi inventada agora... Mas isso pode ser um aviso de que a sua vida futura será mais ou menos assim, então tome cuidado e guarde bem os nomes, como eu já lhe pedi.
- Tudo bem, vou tomar cuidado e guardar os nomes. Cadê as suas malas? Já as arrumou?
- Sim, estão no meu carro.
- Hum...
- Você ainda tem esperanças de que isso tudo seja uma pegadinha e eu te peça em casamento no final né?
- Na verdade, na parte do casamento eu ainda não tinha pensado não... mas até que não seria má ideia...
- Pois é, eu estou pensando no seu caso... quem sabe eu não desisto de ir embora?
- SÉRIO?
- Não.
- Não?
- Sim.
- Sim ou não?
- Não né, eu vou embora sim, tava só brincando.
- Mas... toda brincadeira tem um fundo de verdade.
- É.
- É?
- Não.
- Para, Camila.
- Hahaha.
- Não tem graça.
- Pra você não, mas pra mim sim.
- ...
- Quer saber, vamos logo pra minha casa, que eu quero me despedir direito de você, meu amor.


(Inspirado no filme “Apenas o Fim”)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Sinto esse teu perfume, encaro esse teu olhar penetrante, vejo brilhar esse teu sorriso... Só me sinto, assim, mais só.
Mas, quer saber, eu estou bem!
Bem como nunca pensei... porque você ainda não me disse tudo. Há algo aí, escondido, e eu não consigo ver através dos teus olhos.
Mas, quer saber, um dia tudo se resolve, e eu não tenho pressa.

simples assim...


...ou nem tanto.

"Dona Madalena: dia-a-dia"

(segundo capítulo de ''Jailton, às suas ordens!'')


Lá foi Dona Madalena, às oito e meia da manhã: cabelo louro arrumado, exalando perfume pelos corredores do prédio, ombro esquerdo meio torto por culpa do peso da bolsa, batom vermelho, bochechas rosadas, brincos dourados, sandálias de salto.
Foi apressadamente ao encontro do portão – até o trabalho, ainda havia uma longa jornada... ônibus, metrô, caminhada... –, cumprimentou Jailton, o porteiro simpático, com um sorriso, e foi-se embora.
“Dona Madalena é uma mulher trabalhadora...”, pensava Jailton, de dentro da cabinezinha.

Chegado o fim da tarde, Dona Madalena dependurava novamente a bolsa no ombro esquerdo e encerrava o espediente no Salão de Beleza do Chiquinho, no qual trabalha como manicure.
Seu destino: caminhada até o metrô.

“Que azar, peguei o metrô velho hoje”, pensava ela ao se espremer por entre as pessoas. Levou umas duas ou três mochiladas até conseguir alcançar um lugar para se acomodar no fundo do velho vagão abafado.

– Eu podia ta matanu, eu podia ta robanu, eu podia ta me prostituinu... mas eu to aqui, pedinu humildemente uma ajudinha dos senhô. Quem tivé uma moedinha, faça essa caridade pro pobre que necessita. Aceito até de cinco centavu... tem uma moedinha aí, moço?
– Sinto muito, eu não tenho... – respondeu o senhor que estava ao lado da pobre mulher.
– Faça essa caridade, eu tenho três filho pra criá sozinha, moço.
– Sinto muito mesmo, mas eu realmente não tenho uma moeda pra te dar. Se você quiser, eu te pago um lanche.
– Ah não, senhô, eu preciso é de dinheiro...

“Pobre mulher...”, pensou Dona Madalena, do fundo do vagão. “Deus, abençoa e ilumina essa moça e seus filhos. Amém”.

Saindo do metrô, o destino de Dona Madalena era o ponto de ônibus.
Por mais que seja tão comum o fato de presenciar cenas como a do metrô, elas não lhe saem rápido da cabeça. “Eu devia ter dado uma moedinha praquela moça, coitada... não faria falta pra mim, enquanto para ela, seria grande coisa”. Dona Madalena não perdoaria a si mesma tão rápido por não ter ajudado a pobre mulher.

Como se já não bastasse a cena que presenciara no metrô, andando em direção ao ponto de ônibus, Dona Madalena se depara com um morador de rua sofrendo com o frio da noite; seu corpo encolhido sobre o papelão úmido, as mãos fechadas, pés imundos... vestia trapos, tremia compulsivamente.
Ela preferiu não olhar, pois só sofreria ainda mais.

Enquanto esperava pelo ônibus, ficou prestando atenção nas conversas das pessoas ao seu redor.

Uns falavam sobre eleições:
–Cara, em quem você vai votar?
– Meu, acho que vou votar no Tiririca... não entendo nada de política mesmo...
Dona Madalena, ao ouvir isso, teve vontade de dar um grande tabefe na cabeça do moleque, mas segurou-se; “deve ser uma ‘criança’ de dezoito anos que mal sabe da vida”, pensou ela.

Outras falavam sobre futilidades:
–Ai, amiga, gostou do meu esmalte?!,
– Amei, amiga! É ‘Atrevida’?
“Meu Deus, olha só o nome do esmalte... não têm mais o que inventar mesmo...”

O ônibus chegou. Com dificuldade, Dona Madalena passou pelas catracas e sentou-se ao fundo, ao lado das janelas.
Pensou no bando de jovens que a ultrapassara quando subia no ônibus, como hoje em dia não se tem mais educação... pensou no jantar que ainda teria que preparar quando chegasse em casa cansada, dali uns quinze minutos... na sala desarrumada, na roupa suja, no dia seguinte, que seria exatamente como o dia de hoje...
A verdade, é que Dona Madalena se cansa cada dia mais da sua vida solitária. “Só não sou mais sozinha que a Senhora Matilde”. Realmente. Senhora Matilde já aprendeu a conviver com a solidão... mas isso não quer dizer que a pobrezinha não sofra.

Chegou ao ponto desejado exatamente em quinze minutos, como calculara.
Andou dois quarteirões e chegou ao prédio. Jailton levava um sorriso no rosto, como sempre.
Subir os cinco degraus situados na entrada do prédio não foi tarefa fácil, pois o pé calejado incomodava terrivelmente Dona Madalena. Cabelo despenteado entrando nos olhos, ombro ainda mais torto, bolsa ainda mais pesada. Como é cansativo um dia de trabalho!

– Boa noite, Dona Madalena!
– Boa noite, Jailton! Como vai?
– Vou muito bem! E a senhorita?
– Senhorita? Hahaha, foram-se os tempos em que eu era uma senhorita, meu querido... agora sou uma quarentona...
– Imagina, Dona Madalena! Pra mim, sempre será uma elegante senhorita!
– Bondade a sua, Jailton... Estou tão cansada...
– Ah, eu sei como é. Eu também tenho que enfrentar metrô, ônibus, caminhada... todos os dias! Falando nisso, daqui a pouco já encerro o espediente. A diferença é que você é uma senhorita! Admiro muito a sua coragem, Dona Madalena.
– Ah, imagina Jailton! – ficou um tanto sem graça com o elogio do porteiro – Estou acostumada com tudo isso já... e, quer saber, me canso, mas gosto do que faço! Melhor do que ficar presa em uma casa, sem fazer nada.
– Com certeza! Nem me diga... me lembrei agora da Senhora Matilde, coitada! Ontem veio aqui conversar comigo e disse que quer comprar um gatinho pra lhe fazer companhia... imagine só se ela tem condições de cuidar de bicho! Mas não adianta, quando ela encasqueta que quer alguma coisa, sai de baixo!
– É, a Senhora Matilde é assim... vocês têm conversado ultimamente?
– Sim, ela sempre passa aqui de tarde e temos bons papos! Também me traz bolo de fubá... nós fazemos companhia um ao outro.
– Bom, muito bom! Assim nem ela fica sozinha no apartamento, e nem você aqui nessa cabine mofada, não é mesmo?
– Ah, nem me diga! Eu não aguentaria ficar aqui o dia todo, todos os dias, sem conversar com ninguém...
– Eu imagino. Bem, eu tenho que ir, a cozinha e as roupas sujas me esperam!
– Puxa, ainda tem que cozinhar e lavar? Te admiro muito mesmo, Dona Madalena.
– Que isso, Jailton... Beijos, até mais ver.
– Um beijo, até mais...

A cada dia que passa, Jailton enxerga a todos de um modo diferente. Exceto Dona Marindalva – há algum tempo, fora essa a sua favorita –, que é, e sempre será apenas “a gostosa”.
Dona Madalena não... ela é diferente e especial aos olhos dele; os faz brilhar, a testa sua e a vontade de trabalhar é triplicada. É algo que costumo chamar de “sentimento sem nome”. Diria também “atração”, ou pode até mesmo ser o começo do amor no coração deste homem...
O mais curioso, é que Dona Madalena também sente algo paracido...

Quem sabe? Por enquanto, nem mesmo eles.

(Continua...)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Imagens.
















Não mais longe está ela.
Deixou que o silêncio invadisse sua alma e pôde aprender mais do que se fizesse perguntas intermináveis a si mesma, como costumava.

Saiu do mundo durante algum tempo. Levitou, vagou; viu-se refletir num enorme espelho d’água: sua própria alma.

Dormiu algumas noites ouvindo a respiração profunda e ofegante das pessoas ao seu redor, e aprendeu a amar cada uma delas de um jeitinho especial.
Deixou que os olhos falassem por ela – são eles os mais sinceros...

Por fim, com o coração cheio de lágrimas de emoção que ela acabou não deixando escapar pelos olhos, disse decidida:
– Até ano que vem.