sexta-feira, 6 de agosto de 2010

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

É impossível me descrever. A cada momento, sinto e penso diferente.
Apenas meus olhos que muito de você veem, permanecem os mesmos; mas o olhar que por detrás deles se esconde, muda, revelando a minha alma.



(bom, sei lá... hahaha)

''Jailton, às suas ordens!''

A cabine não é lá das melhores... Tem um cheiro de cachorro molhado, sabe? O couro da cadeira é meio surrado, a mesa com duas gavetinhas é meio bamba, mas dá pro gasto. A iluminação também não é muito boa... mas isso pouco importa, porque eu gosto mesmo é de observar o entra e sai.
Passadas duas semanas, já sei o nome de quase todos os moradores.

Dona Madalena sempre sai às oito e meia da manhã – bolsa marrom dependurada no ombro esquerdo, que por conta do peso fica meio caído pro lado; toda emperequetada: cabelos louros, arrumados, deve gastar um vidro de laquê por dia... bochechas rosadas, batom vermelho, brincos dourados, sandálias de salto alto. Dona Madalena deve já ter os seus quarenta e poucos anos.

Márcio – já meio calvo – sai para passear com o cachorro. Às vezes, ele e Dona Madalena se encontram, mas geralmente ela sai um pouco mais cedo.
Sempre de chinelos, calça de moletom, camiseta larga – tenho impressão de que nem troca de roupas pra passear com o cão, vai de pijama mesmo...
Preso a uma coleira azul, vai o vira-latas branco de manchinhas marrom.
Costumam dar uma ou duas voltas no quarteirão, e depois de mais ou menos meia hora, Márcio e o totó já estão de volta.

Todas as quartas e sábados, às onze horas da manhã, mais ou menos, uma Mercedes preta e brilhante deixa aqui na frente Mariana.
Sorte dela, que arrumou um namorado rico. Com certeza, é numa mansão, num desses condomínios chiques, que Mariana passa duas noites por semana – eu ainda sonho em mudar do meu cafofo pra uma mansão, e ter um carrão na garagem, por isso eu jogo na Mega Sena toda semana.
Mariana é bonita, jovem, creio que tenha uns dezenove ou vinte anos...

Dona Marindalva – dessa sim eu já sabia o nome e endereço logo no primeiro dia –, sai de shorts e camiseta justa, todos os dias, e vai praquela academia logo alí na esquina. Oh, Dona Marindalva... bem que podia passar aqui na minha humilde cabinezinha dando um beijo de bom dia, né? Não ia gastar nem um minutinho! É... quem dera... ter uma Dona Marindalva dessa só pra mim...
Casada eu sei que ela não é. Também nunca vi trazer um rapaz aqui pra casa dela. Vai ver o José, que trabalha no turno da madrugada, saiba melhor desses detalhes...

Quase todo dia, escuto umas brigas vindo do terceiro andar da ala dois. Aquele casal ali, acho que não dura nem mais um ano... cada briga horrorosa! É um xinga pra cá, xinga pra lá, “seu cachorro”, “sua vadia”... e por aí vai.
É como eu sempre digo: melhor sozinho do que mal acompanhado. Eu estou sozinho há dez anos, mas pelo menos não tenho que aturar briga todo dia – só do casal do terceiro andar da ala dois.

Um dia, Senhora Matilde, uma velhinha que mora no prédio há uns quarenta e tantos anos, veio até aqui só pra me conhecer. O diálogo foi mais ou menos assim:

– Ah, logo fiquei sabendo que tinha porteiro novo! Vim às pressas conhecer, hehehe. Sabe, eu moro aqui nesse prédio há mais de quarenta anos... sempre fui conhecida por todos! Eu e minhas vizinhas tomávamos chá da tarde uma na casa da outra, todo dia... Mas hoje, já não é mais assim. As pessoas se cruzam pelos corredores, e nem bom dia, boa tarde, boa noite, dão mais umas às outras – eu ainda não sabia exatamente onde a velhinha queria chegar dizendo tudo isso. Acho que ela precisava mesmo de alguém pra conversar, “deve ser meio sozinha...”, pensei. Então ouvi pacientemente todas as palavras cuspidas junto à saliva, da boca enrugada da senhora. – Sabe, meu rapaz, aproveite que é jovem e trabalhe mesmo, ganhe seu humilde dinheirinho, batalhe... pra não acabar como eu, uma velha solitária, que vive da aposentadoria, trancada nesse predinho... A propósito, qual é o seu nome mesmo?
– Jailton, às suas ordens! – e abri um sorriso no rosto, procurando confortar a velhinha.
– Ãh? Jamilton?
– Não não, Ja-il-ton – separei as sílabas, pra facilitar o entendimento.
– Ahhhhhhh, Jailton! Desculpe, é que eu já estou ficando surda sabe... Hahaha... – a senhora ficou sem graça, soltou uma risadinha, mas logo em seguida, suspirou profundamente. Com certeza, não leva uma vida muito feliz...
– A senhora mora em qual apartamento?
– No cinqüenta e um da ala três.
– Então pode deixar a entrega dos jornais comigo!
– Muito obrigada, meu rapaz, mas não precisa não, eu gosto de descer um pouco todas as tardes, então já aproveito e venho pegar o jornal.
Concordei com a cabeça e sorri.
– Ah! Já ia me esquecendo, deixei o bolo no forno! Deixe-me voltar para meu apartamento antes que o bolo queime, ou coisa pior! Hehehe!
– À vontade!
– Gosta de bolo de fubá?
– Claro!
– Então pode deixar, que eu trago um pedaço para você, meu filho! Hehehe.
– Oh! Muito obrigado!

Meio maluquinha a Senhora Matilde... mas é bem simpática. Gosto das risadas longas dela, são cativantes.

O tempo passou tão rápido! Quando notei, Dona Madalena e Dona Marindalva já estavam de volta.
Dona Madalena aparentava cansaço, deve ser uma mulher trabalhadora. Descabelada, o ombro caído pro lado por conta do peso da bolsa, a maquiagem já meio borrada, mancando – com certeza, andara muito.
Dona Marindalva estava perfeitamente graciosa, como sempre. Apenas meio suada.

Sabe... Gostei deste lugar!
E é aqui, com Madalena, Márcio, Mariana, Marindalva, Matilde, e muitos outros, que eu passarei os próximos sei lá quantos anos da minha vida...

(Continua...)